Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE no edital Bolsa Funarte de Residências em Artes Cênicas 2010.

sábado, 9 de julho de 2011

Shakespeare and Tchekhov





Olá amigos! Bem, chegamos ao final da jornada empreendida por mim na Ecole Philippe Gaulier: Shakespeare and Tchekhov. Começo por dizer que este curso foi uma cereja no bolo, uma bela forma de se encerrar a jornada que empreendi com Gaulier ao longo destes 8 meses de estudos em sua escola. Lembro que antes das férias, quando encerramos o difícil workshop de Melodrama, onde, segundo Gaulier, pudemos aprender uma série de “regras do teatro”, perguntei para ele: – Em Shakespeare/Tchekhov a abordagem será similar ao Melodrama? – ao que Gaulier respondeu: - Totalmente diferente. Confesso que foi uma alívio saber disso. E realmente foi diferente. O workshop durou 5 semanas, onde nas duas primeiras nos dedicamos mais à abordagem de cenas de Tchekhov e nas três últimas mais à Shakespeare. A dinâmica do workshop era relativamente simples. Gaulier geralmente selecionava uma cena a ser trabalhada naquele dia e pedia para dois atores de língua inglesa lerem o texto, geralmente diálogos entre dois personagens. Depois Gaulier pedia que casais se formassem e fossem para a cena dançar uma música juntos. A idéia aqui era a de encontrar duplas com uma boa cumplicidade para que, num segundo momento, estas mesmas fossem realizar uma improvisação da cena que anteriormente foi lida. A primeira cena que trabalhamos se dava entre as personagens Marina e Astrov, de Tio Vânia, se não me engano a primeira cena da peça. Philippe colocava então casais para dançar com uma bola entre as testas, e, depois, tirava a bola pedindo que o casal mantivesse a mesma ligação que tinham quando a bola se encontrava entre eles. Aos poucos os atores podiam então colocar o texto, prestando atenção para que este fosse afetado pela qualidade de contato e cumplicidade entre a dupla. Mais adiante, o mesmo exercício podia então ser desdobrado numa cena de ordem mais realista, usando a ambientação que o texto sugere.

Outra forma de trabalho muito utilizada por Gaulier foram as “audições”. Gaulier lançava mão de um recurso que eu chamaria aqui de “desvio imaginativo”, isto é, propunha uma improvisação que não tratasse exatamente da mesma situação anteriormente lida em alguma cena, mas que, de alguma forma, se avizinhasse do território do personagem que seria abordado. Foi assim com Lady MacBeth, por exemplo. Philippe pediu para que dois atores lessem uma cena entre MacBeth e Lady MacBeth, onde a última trama a morte de Duncan, possibilitando assim a ascensão de MacBeth ao trono, cumprindo a previsão antes feita pelas bruxas da peça. Esta era a cena para ser jogada num segundo momento, pois antes, qualquer atriz que quisesse fazê-la deveria passar pela audição proposta por Gaulier. Esta audição tratava-se de uma improvisação com a seguinte situação: uma mulher, que mora próximo à Barbes Rochecuart (rua que fica em um bairro mais popular de Paris) vai um dia passear na Champs-Élysées, e vê, numa vitrine, um casaco pelo qual se apaixona. Tal casaco custa muitíssimo dinheiro, e mesmo que o marido desta senhora economizasse o salário de meses, certamente ainda não seria o suficiente para comprá-lo. Um dia a mulher resolve convencer o marido para que este compre o casaco para ela, para isto, ela transou com ele na noite anterior, fazendo todas as suas vontades, acordou, tomou banho, colocou o perfume que o marido gosta, preparou um café da manhã magnífico para o mesmo. O marido então libera o cartão de crédito para que ela retorne à loja da Champs-Élysées. Esta é a história anterior ao início da improvisação que, de fato, começa a partir do ponto a seguir: ela retorna a loja da Champs-Élysées e um funcionário a atende perguntando o que ela deseja. Ela então pede para experimentar o tal casaco da vitrine. O funcionário a alcança. Ela veste o casaco. Quando a atriz veste o casaco, deve fazer com que a platéia perceba uma modificação comportamental, como se o casaco lhe deixasse muitíssimo mais bela, poderosa, elegante etc. Se a atriz consegue este “estado”, ela então tem a permissão de Gaulier para dar um texto de Lady MacBeth, apenas um trecho daquilo que foi lido anteriormente. Sendo bom, perspicaz, convincente etc, a atriz então está selecionada para improvisar a cena como Lady MacBeth junto ao ator que fará seu esposo e general.
Esta dinâmica de audições aconteceu para a realização de vários outros exercícios de improvisação em cima de alguma cena específica tanto de Shakespeare quanto de Tchekhov. Elas possibilitavam uma aproximação do ator do universo proposto por uma cena, também ajudando a tirar qualquer tipo de solenidade excessiva no tratamento de um texto de Shakespeare e Tchekhov, isto é, traçando um paralelo entre as profundas situações dos textos com uma escala menor mais presente no “cotidiano”, revelando que, antes de tudo, aqueles personagens são também humanos, como nós mesmos, com seus desejos, frustrações, sentimentos etc. Ainda sobre a Lady MacBeth, por exemplo, uma tendência das atrizes era abordá-la de forma com que a mesma fosse brava, ríspida, por vezes quase uma vilã melodramática, com falas bélicas e gritos de general. Ao perceber esta tendência em uma atriz, Philippe trabalhou com a mesma no sentido de encontrar uma calma e doçura na Lady, e apontou ao grupo de que fazê-la raivosa é muito pequeno para uma personagem como Lady MacBeth, salientando que a mesma é muito mais tridimensional e complexa, guardando certa doçura da qual lança mão para conquistar MacBeth e fazê-lo executar seus planos maldosos, mostrando-nos uma possibilidade da mesma não ser má apenas por ser má, mas, antes disso, ser ambiciosa e sonhar com o poder e a fortuna, sendo estas as razões que a movem e não a maldade em si.

Paralelo a estes trabalhos, a partir da segunda semana tivemos a liberdade de propormos cenas à Gaulier, sobre as quais ele trabalhava conosco depois. Neste sentido, um ator, ou uma dupla, ou um grupo, poderia decorar um texto e propor uma pequena cena. Gaulier então absorvia o caminho proposto e por vezes seguia este, mas, na grande maioria das vezes o mudava completamente. O exercício de um ator pode esclarecer. Um ator da África do Sul propôs um dos monólogos de Hamlet. Apresentou este sem muitos elementos de cena, de forma mais crua, mas bastante “clássico” ao dar o texto, com uma solenidade de quem “precisa dizer um texto de SHAKESPEARE”, de certa forma sobrecarregado com isso. Então Gaulier lembrou que na semana anterior ele nos tinha dado como cena a ser trabalhada uma das cenas das bruxas de MacBeth. (explico melhor depois, mas o fato é que tínhamos sempre uma cena para trabalhar durante a semana para ser apresentada sempre às sextas-feiras). Gaulier lembrou que este ator teve um grande prazer em jogar uma das bruxas, e, depois de um tempo, tentando diferentes caminhos com este ator, pediu então que colocasse a vestimenta da bruxa novamente e começasse a dar o texto do Hamlet como esta bruxa. Aos poucos Gaulier foi “limpando a bruxa” do ator, embora este ainda permanecesse com a indumentária da mesma. Gaulier criou com o ator uma “terceira coisa”, nem o Hamlet boring e clássico do início, nem a bruxa de MacBeth dizendo o texto de Hamlet, mas sim um Hamlet possível de existir agora na imaginação do espectador, uma sensibilidade no ator que fez com que este desconstruísse as idéias pré-concebidas a respeito de Hamlet ao mesmo tempo recuperasse o prazer de estar em cena ao passar novamente pela bruxa que tinha gostado tanto de fazer. A esta terceira coisa é difícil de nomear, mas fácil dizer que aquilo sim poderia ser um Hamlet. E assim Gaulier ia experimentando uma série de possibilidades com os atores, tivemos um Iago que parecia a Britney Spears numa cena com um coro atrás, uma Ofélia surtada andando numa corda bamba, outro Iago com postura de um pedófilo etc. O que acontecia é que Gaulier não tinha nunca uma fórmula para se interpretar X ou Y personagem, e, tendo isso em vista, sempre propunha um contexto de elementos com o qual o ator podia jogar: músicas, parceiros de cena, figurinos, composições com objetos de cena (ambientação) etc. Sobre isso um dia comentou: nós temos que ver muitos diferentes caminhos para depois decidirmos por onde vamos.(Gaulier) Ainda sobre Hamlet, cabe aqui expor uma colocação de Gaulier que creio ter muito a ver com o que o próprio pensa a respeito de todos estes personagens oriundas de grandes autores como Shakespeare e Tchekhov: “Existe uma série de teses na universidade que definem Hamlet, que tentam saber quem ele é. Eu não sei quem é Hamlet, e espero que nunca saiba. Eu prefiro ficar com o fantasma de Hamlet na minha cabeça. (...) Quando você sabe quem é o personagem, isso é uma merda. Porque se você não sabe, você tem uma série de possibilidades.”(GAULIER em aula)

Outro momento dentro da metodologia de trabalho para Shakespeare e Tchekhov era o auto-curso. Durante toda a semana permanecemos tendo aulas de movimento (mais pra frente escreverei um texto só sobre estas aulas que até então foram negligenciadas aqui no blog) e, desde Melodrama (workshop anterior), vínhamos tendo também a parte denominada auto-curso. Isso consistia em 1h30min de trabalho diário na preparação de alguma cena que Philippe indicava no fim de uma semana para apresentarmos no fim da semana seguinte, isto é, todas as sextas-feiras tínhamos que apresentar uma cena preparada durante a semana. Se alguém ou algum grupo quisesse, poderia também abdicar da cena dada por Gaulier e preparar outra cena, mas isso era pouco feito no grupo. Neste sentido trabalhamos nas seguintes cenas para o auto-curso:

1ª Cena: entre Medvedenko e Macha, primeira cena de A Gaivota
2ª Cena: entre Nina e Trigorin no final do segundo ato de A Gaivota
3ª Cena: das Bruxas de MacBeth, ato 1 – cena 3
4ª Cena: primeira cena entre Petruquio e Catarina de A Megera Domada
5ª Cena: de livre escolha.

As cenas acima constituíam apenas parte das cenas trabalhadas, lembrando que durante a semana trabalhávamos improvisando em cima de várias outras cenas de diferentes textos de Shakespeare e Tchekhov propostos por Gaulier ou de nossa escolha. Bom, ainda sobre o workshop, listo abaixo alguns elementos importantes e algumas colocações de Gaulier nas aulas, aqui dispostos de maneira genérica e arbitrária, pois possuem diferentes focos, mas, de alguma forma, construíram o universo de trabalho que empreendemos no workshop.



Outros elementos presentes em Shakespeare/tchekohv:

- “As personagens de Tchekhov nunca falam a verdade” – Esta foi uma das observações de Gaulier para nos orientar genericamente sobre a questão dos discursos dos personagens de Tchekhov. Algo que apontava para uma necessidade que os mesmos tem em falar visando na verdade ocultar sob o discurso problemas que não podem vir à tona, suas frustrações, suas agonias etc...

- O perigo de se esconder atrás de uma idéia: isso era sempre ressaltado por Gaulier. Por mais que pudéssemos ter uma concepção em torno do “como” realizar as cenas, este “como” não podia ser um subterfúgio para o ator, como em algumas cenas aconteceram. Um exemplo foi uma cena em que um casal de atores apresentou Macha e Medvedenko totalmente descontextualizados, como se ambos estivessem em uma praia, passando protetor solar um no outro, sofrendo quando pisavam na areia quente etc. Philippe ao fim da cena ironicamente perguntou à platéia: “podemos dizer que esta cena nos agrada por que não vemos a maravilhosa a idéia que estes atores tiveram?”... Neste caso, a contextualização que os atores deram funcionava como uma espécie de fuga onde os atores não se preocupavam em encontrar um jogo na cena proposta dentro do texto de Tchekhov, isto é, colocaram uma série de elementos que os “escondiam” como atores.


- Estar aberto sempre para um jogo e para o prazer em toda cena:
A fim de esclarecer este ponto, dou um exemplo. Para fazermos a cena entre Arkádina e Treplev, onde aquela troca as ataduras deste, Philippe propôs um exercício. Antes da cena começar, a atriz que ia jogar a Arkádina era “premiada com um Oscar”, agradecia o prêmio, e, quando Gaulier batia em seu tambor, começava então a jogar Arkádina relacionando-se com o ator que jogaria Treplev. A idéia era a de que a aluna jogasse uma “grande atriz”, uma diva, e, desta forma, com o “prazer de ser uma diva”, começasse a cena com seu parceiro. A atriz não pudia mudar o estado do Oscar quando começasse a fazer a cena. Um dos momentos mais claros de toda esta vivência de 8 meses com Gaulier aconteceu neste exercício quando esta atriz, depois de umas 3 vezes tentando chegar neste “estado-diva”, finalmente conseguiu, fazendo que Philippe batesse o tambor a fim de que, com o mesmo estado, a atriz começasse a fazer a cena como Arkádina... tchan... tchan... tchan... E quando Gaulier finalmente bateu o tambor, a atriz realizou uma quebra de estado visível, como se só agora fosse começar a atuar, colocou uma seriedade e perdeu o prazer antes conquistado no exercício do Oscar, psicologizou, enfim... Embora tenha sido ruim para o trabalho pessoal da atriz naquele momento, este foi um dos momentos mais esclarecedores com Gaulier no que concerne à questão do prazer e do jogo na atuação. Gaulier, muitíssimo afiado e perspicaz neste dia, chamou a atenção do grupo neste exato momento e disse: “vocês viram? Viram a quebra? Este momento (de seriedade para fazer a cena, o momento de se “começar a atuar”) é o pior inimigo do ator. Você tem que dizer foda-se ao Stanislavski (Gaulier tem uma visão bastante restrita à 1ª fase de pesquisa de Stanislavski). Se vocês perdem o prazer, certamente vão fazer uma grande merda. (...) Enquanto público não podemos ver que o ator ‘começou a fazer uma cena’, quando vocês começam a atuar é terrível”.

- Estar aberto quando com um texto: à música, à relação com o colega, a um jogo com Gaulier etc. Isso diz respeito a diferentes recursos de Gaulier para, digamos, “abrir” o ator e seu texto para uma relação. Isso se relaciona com o tópico anterior na busca que o ator não caia numa atuação psicológica e demasiado auto-centrada, mantendo sempre conectado aquilo que está “dentro” (seus pensamentos, sensações e emoções) com aquilo que está “fora” (uma música, um colega, e, principalmente, o público).

- Não sublinhar a palavra com uma ação – Creio que este seja um tópico básico em qualquer formação atoral. O ator não deve realizar gestos que portem o mesmo sentido do texto que está dizendo. Isso em Tchekhov, por exemplo, é muito importante, pois seus personagens muitas vezes podem ter comportamentos completamente contraditórios aos seus textos.

- As vezes querer demais é um problema, mas querer de menos é pior ainda. Existe uma certa medida que o ator deve encontrar em sua “vontade de atuar”. As vezes querer demais se torna um problema para o ator, que, um tanto excitado com isso, atropela qualquer contato mais sofisticado entre ele mesmo e a personagem ou entre ele e a platéia. Mas, segundo Gaulier, é mais problemático quando você quer de menos. Quando você dá de si muito pouco. Este querer demais ou de menos também se relaciona com a questão da “beleza cênica” do ator. Você deve mostrá-la sempre, deve querer isso, é basicamente sobre isso que o ator trabalha e é esta a sua pedra preciosa pessoal, digamos assim. Mas se você quer demais mostrá-la, corre o risco de atropelá-la, se quer de menos, nem chega a existir em cena.

- Cuidar para não ser poeta dando os textos... “não queremos poetas, e sim atores”
Gaulier certa vez ironicamente comentou que existiam poetas na turma e não atores dando os textos. Aqui existia uma importância de se relacionar com o texto de forma fluída, sem demasiada solenidade e idealização de um grande texto.

- Atuar com o silêncio... Buscar o silêncio entre as falas e ações ... “a música do silêncio é tão importante numa peça!!!” (Gaulier em aula) Isso também foi um dos elementos solicitados por Gaulier, o jogo com o silêncio, utilizá-lo como parceiro de cena.

- “Quando você está em crise em um trabalho, você deve continuar no trabalho, vai fundo nos dois, e, normalmente, quando você chega no fundo da crise, algo interessante virá de lá.” (Gaulier em aula) De certa forma isso tem a ver com a própria idéia do FLOP (fracasso) já exposta anteriormente quando falei do workshop Le Jeu. Mas quando Gaulier disse isso em aula, ele não se referiu unicamente ao momento do fracasso em cena que você pode aproveitar e transformar ao seu favor. Aqui ele se referia a alguns atores que há muito tempo vinham “fracassando”. Gaulier disse aqui que quando se está em crise com o trabalho, você não deve mudar o trabalho, mas sim aprofundar a crise. Existe uma crença de Gaulier no poder deste processo doloroso que é o fracasso. De certa forma, para ele, é só a partir de uma entrada profunda no fracasso e na crise por ele detonada que os atores que enfrentam maiores dificuldades com o trabalho vão desencadear a transformação definitiva e necessária, transformação esta que se dá num espaço intermediário entre a arte e a vida, embora à Gaulier só interesse o que os atores fazem no palco. É como se a crise profunda tivesse o poder de despertar uma certa chama, uma vontade, uma decisão do ator em ser belo e pleno em cena. Mas é uma mudança que reverbera também na vida. Por isso Gaulier estimula o ator a permanecer na crise e ver até onde ela o levará, ao invés de encontrar subterfúgios para a mesma. Ainda sobre isso, Gaulier lembrou que, quando foi aluno de Lecoq, ainda no primeiro ano da escola, ele ficou 5 meses sem fazer qualquer exercício. Disse-nos que toda a vez que ele se levantava para fazer um exercício, Lecoq dizia para ele voltar a sentar, dizia que Lecoq não queria o ver. Por conta disso, Gaulier passou por uma grande crise, bebia, chorava, não entendia o por que Lecoq fazia isso, e só nos últimos meses do primeiro ano voltou a fazer os exercícios. Disse-nos que ficou muito surpreso quando viu seu nome na lista de alunos selecionados para realizar o segundo ano da escola de Lecoq (no fim do primeiro ano de formação somente metade do grupo é selecionado para realizar o segundo ano na escola de Lecoq). E enfim, depois trabalhou por 10 anos como assistente de Lecoq. Gaulier não nos explicou o por que Lecoq fez aquilo, mas ressaltou que foi depois disso que ele, enquanto ator, “explodiu”, e, de alguma forma, encontrou sua força expressiva.


Bueno, e são com estas colocações que finalizo o registro da jornada com Gaulier. Difícil ainda mesurar a importância de Gaulier na minha vida, mas, fácil de dizer que foi definitiva esta experiência. Tive de fato um encontro com um mestre, e hoje posso dizer que foi ele o meu mestre. Neste pós-experiência tão recente me sinto confuso e ainda bastante colado as suas visões e opiniões. Cabe agora realizar o descolamento e o devido transporte das informações, isto é, a apropriação pessoal de tudo o que estudei com ele. Mas talvez o que há de mais precioso em Gaulier é fazer com que cada ator veja o que é necessário para si. Ele sempre nos apontou caminhos, mas, na grande maioria das vezes, não esteve conosco durante os trajetos. Minha sensação pessoal é a de que percorríamos sozinhos, porque, antes de tudo, para mim, parece que Gaulier quer a todo o tempo fazê-lo perceber que para que você tenha êxito como ator você só depende de si mesmo. Nesse sentido, estar com Gaulier é estar muitíssimo e intensamente consigo mesmo, em tudo o que há de belo e de amedrontador nisso.
Não poderia deixar de lembrar aqui dos meus maravilhosos colegas que desde o início formaram um dos melhores grupos de trabalho dos quais eu já pude participar. Embora as nacionalidades fossem tantas, nos entendemos por termos como denominadores comuns ao grupo a generosidade e o acolhimento. Éramos na grande maioria estrangeiros em Paris, e, talvez por isso, decidimo-nos por acolhermos a nós mesmos e no final era como se fôssemos uma família. É já com muitas saudades de tudo isso que me despeço deste momento da minha vida, na esperança de que nos cruzemos pelas vielas da vida, na esperança de encontrar o mestre novamente.

Um beijo a todos,
Rodrigo.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

SELECIONADOS PARA O WORKSHOP ZONAS DE JOGO, COM RODRIGO SCALARI

eeeee, vamos lá!!!

Amanda Handel
Amanda Moreira
Ana Luisa Pessoa
Ava Soani Lourenço
Beatriz Coimbra
Bruna Luiza Elias
Camila De Ávila Morosini
Ewerton Domingos Ribeiro
Hariet Szmuszkawicz
Isabela Basso Perim
Isadora Diniz
Luana Ap. P. Lopes
Luísa Dalgalarrondo
Luiza Moura Salles
Marcelo C Dias
Maria Eliza T. Silva
Maria Emília Tortorella
Mariana Delboni
Mariana Rhomer
Rodolfo Groppo
Sheyla C.S Macedo
Suzana Thomaz



LISTA DE ESPERA POR ORDEM DE PRIORIDADE:


1 – Lara Prado Martins
2 – Gabriella Spaciani
3– Janaina Iszlaji
4 – Carolina Mota
5 – Talitha Borges
6 – Kelly Cristina Cheretti
7 – Carolina Banin



OBSERVAÇÃO: O não comparecimento ou atraso superior à 15 minutos no primeiro dia do workshop implica na desistência da vaga e conseqüente passagem desta a um dos interessados presentes na lista de espera.

Local: Barracão das Artes Cênicas – UNICAMP – SALA DE CIRCO
Horário: 18h30 às 21h30
Período: 13 à 17 de junho de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

Workshop ZONAS DE JOGO

Com Rodrigo Scalari


O workshop “Zonas de Jogo” trata-se de uma imersão no jogo do ator a partir de princípios teatrais estudados por Rodrigo Scalari na Ecole Philippe Gaulier em Paris-França. Por meio de exercícios e improvisações serão abordadas na prática noções de cumplicidade, prazer, impulso, jogo em maior e em menor, ponto fixo, presença cênica entre outros. O território de práticas aqui propostas pode ser reconhecido como fruto da corrente francesa do trabalho do ator que tem como representantes maiores Jacques Copeau, Jacques Lecoq, Ettiene Drecroux e Philippe Gaulier. Objetiva-se propiciar ao estudante o contato com o universo prático-conceitual proveniente do trabalho de Philippe Gaulier, um dos maiores mestres da arte teatral da contemporaneidade. Dentro deste campo, as proposições buscam o reconhecimento por parte do ator de suas potências expressivas individuais, seu charme pessoal, sua maneira de estar “belo” em cena e o compartilhamento destas características no jogo com seu parceiro de cena e com a platéia.

Período: 13 à 17 de junho de 2011.
Horário: 18h30 às 21h30
Local: Barracão das Artes Cênicas – UNICAMP
Limite de participantes: 20
Inscrições na Secretaria do Barracão das Artes Cênicas da Unicamp
ATIVIDADE GRATUITA

Rodrigo Scalari é ator e professor de teatro formado pela UFRGS (POA-RS). Realizou formação na Ecole Philippe Gaulier (Paris-FR) nos terrirórios teatrais: Le Jeu, Máscara Neutra, Tragédia Grega, Jogo de Máscaras (Livres, Larvárias e Commedia dell’Arte), Personagem, Melodrama, Shakespeare e Tchekhov. É mestre pela UNICAMP, tendo defendido em 2010 a dissertação “O paradoxo criador-criatura: o ator em treinamento”, sob orientação do Prof. Dr. Matteo Bonfitto. É membro da Cia Espaço em Branco (POA-RS) onde atuou nos espetáculos Andy/Edie (2006-07) e Extinção (2004-05). Atua desde 1998 tendo participado de espetáculos de importantes nomes da cena gaúcha como Luciano Alabarse (Antígona, 2005), Camilo de Lélis (Max e Milli, 2004), Patrícia Unyl (O Canto do Cisne, 2003). Realizou cursos de aperfeiçoamento com o grupo LUME (Campinas), Grupo Tascabile de Bergamo (Itália), Matteo Belli (Itália), Thomas Leabhart (Discípulo de Ettiene Decroux/USA) entre outros.

Demais informações: http://entreestiloszonasdejogo.blogspot.com/
Contato: rscalari@gmail.com

quarta-feira, 20 de abril de 2011

MELODRAMA

E enfim chegamos no Melodrama, o último território que exploramos antes de um período de férias de três semanas. Difícil!!! Beeeem difícil!!! Creio que até então o Melodrama foi o território dramático em que nós encontramos as maiores dificuldades como atores. Bem, pra começar, é importante dizer que embora tenhamos uma grande referência fruto do estilo melodramático no Brasil, isto é, as telenovelas, o que trabalhamos com Gaulier está muito longe das tramas brasileiras e do registro de atuação melodramática das mesmas. O Melodrama ao qual empreendemos uma busca com Gaulier é oriundo da tradição francesa, e mais, da tradição teatral parisiense do século 19. Importante dizer também que o gênero ou estilo teve suas origens aqui na França, e, Gaulier, ao que parece, parte desta tradição, de onde tira as lições de atuação e aplica em seu curso, claro que com sua peculiar forma de trabalhar. O melodrama é um território amplo. Embora um estilo com características particulares, é, segundo Gaulier, uma grande escola de atuação de onde o ator pode extrair grande parte das “regras de atuação”, como se movimentar, como usar a voz, como ter pontos fixos etc. Trata-se de um registro complicado de chegar nos dias de hoje, pois a grandiloqüência deste território facilmente cai num exagero cômico, coisa da qual devíamos tomar distância. No melodrama há por natureza a possibilidade do exagero, mas de um exagero com credibilidade séria, com o afinco daqueles que no Brasil muitas vezes descrevemos como “atores garra nojenta”, daqueles maravilhosos atores de uma geração anterior de onde a principal técnica brotava do amor pelo teatro e pelo público.
Não trabalhamos com textos teatrais melodramáticos. Segundo Gaulier, os textos do melodrama não são bons textos para o ator, com exceção a algumas obras de Victor Hugo. Em geral, trabalhamos então com temas de improvisação a partir de muitas situações que podem ser encontradas em textos de Victor Hugo e alguns outros dramaturgos franceses, além de temáticas criadas por Gaulier e/ou inspiradas em melodramas que o próprio Gaulier assistiu. Trabalhamos com uma gama imensa de situações, entre elas estavam: a mãe que abandona o filho às portas de um orfanato porque não tem condições financeiras de criá-lo; os irmãos separados deste a infância que se reencontram anos mais tarde; o marido que foi lutar na guerra e depois de 20 anos, após pensarem que estava morto, volta pra casa da família e encontra sua esposa casada com outro, e por aí vai. Gaulier sempre introduz cada situação de uma forma especial, contando-nos uma história maior, falando também de detalhes técnicos aos quais os atores devem prestar atenção. Entre estes detalhes técnicos de atuação e princípios do território melodramático, estão:



O ator antes da personagem
No melodrama o ator está definitivamente antes da personagem, e é por isso que Gaulier gosta de trabalhar com o estilo, porque, segundo o mestre, enquanto atores, podemos descobrir coisas muito interessantes sobre os nossos próprios processos de trabalho. Segundo Gaulier, não faz mais sentido se montar um melodrama nos moldes clássicos hoje em dia, mas sim, faz todo o sentido explorar o melodrama como campo de pesquisa da atuação. Dentro deste campo de pesquisa o ator de hoje joga uma espécie de “ator antigo”, quando, de certa forma, o charme pessoal do ator era mais importante do que a personagem. Gaulier falava muito que, mesmo com uma grande maioria de personagens pobres, os atores são sempre “belos”, com uma presença grande e generosa para com a platéia. “Existe uma conexão especial entre o ator e o público no Melodrama. O ator deve amar o público, faz tudo para e pelo público. Você tem que dar muito como ator no Melodrama. Como Edith Piaf, quando ela está em cena podemos ver que ela está dando tudo.” (Gaulier em aula)

Mesmo quando o personagem é mau, o ator deve manter seu charme, ainda que, o grande objetivo, é fazer com que a platéia do teatro odeie o personagem, mas ame o ator: “A platéia atua também, se não gostam do ator (que faz o mau) jogam legumes nele. As vezes a platéia tem uma tendência de dormir, então é a hora do mau entrar, gritando e sendo terrível com as pessoas boas, e a platéia então acorda para vaiá-lo. Se o mau recebe muitos legumes, o ator sabe que fez muito bem seu personagem nesta noite.” (Gaulier em aula).



Os atores de Monsieur Dumas:

Philippe nos contou a história de Monsieur Dumas, um antigo professor de teatro do século 19 que tinha uma escola de atores na cidade de Grenoble, na 17 Avenue Gambetta. Segundo Philippe, os grandes atores do melodrama foram alunos do Monsieur Dumas, e, ficcionalmente, Philippe nos convidou a sermos nós os ex-alunos do mestre do Melodrama. Então, para Philippe, tínhamos quer sermos “atores do Monsieur Dumas”. Monsier Dumas tem 2 filhos, Nicole Dumas e Françoise Dumas. Nicole e Françoise, por vezes, escondidos do pai, vão para o topo de uma montanha para fazer sexo com os alunos da escola atrás de uma pedra. Na verdade Nicole tem uma pedra e Françoise tem outra pedra. Quando algum de nós estava de alguma forma chato ou sem vida em cena, Gaulier dizia para que nos lembrássemos de nossas relações sexuais com Nicole ou com Françoise... “Ah... Nicoooole... Ah... Françoise...”, e que, com este prazer relembrado, voltássemos a fazer uma determinada cena ou improvisação. Monsieur Dumas é mais um elemento de jogo para o ator, faz parte da construção de um imaginário que Philippe faz para que nos aproximmemos do universo do Melodrama. Em realidade, Gaulier sempre constrói histórias e universos imaginários em todos os workshops, o que muito auxilia os atores a, através desta espécie de desvio imaginativo, conquistar uma realidade de jogo, uma qualidade que não se direciona única e simplesmente a atingir um objetivo técnico, mas sim a libertar a criação em todas as suas possibilidades.


Caminhadas Semi-círculo:
Gaulier trabalhava conosco uma especial forma de se mover em cena. Uma das características na atuação melodramática diz respeito às caminhadas. O melodrama foi representado em grandes teatros na França, com palcos largos e com grande profundidade. Então, para explorar as dimensões do palco, o ator deve evitar caminhar em linha reta, a fim de fazer “render o palco”. Em princípio nos era difícil realizar este princípio com naturalidade, mas, com o tempo, o corpo se acostuma e aprende sobre o espaço por meio destas caminhadas, elas então tornam-se mais orgânicas e incorporam o palco como um pilar forte que ajuda a dar suporte à atuação




O Povo de Paris nas galerias do teatro:
É para o povo pobre de Paris, sentado nas galerias do teatro, que os atores representam. Gaulier diz: “como ator, eu atuo para meu público, e meu público é o povo, e eu pego minha inspiração do povo”. Sendo assim, o Povo de Paris é um fictício elemento de jogo que Gaulier coloca para os atores interagirem o tempo todo. Em muitos momentos de nossas improvisações tínhamos que dar pausas estratégicas e olhar para o “Povo de Paris”, isso significa olhar um pouco acima da linha do horizonte. As vezes um ator faz isso sozinho, as vezes dois ou mais atores fazem isso juntos. Estas pausas com este olhar específico são colocadas em momentos de suspense, surpresa, humilhação etc, e criam grandes expectativas no fictício Povo de Paris que passa a querer avidamente saber o que virá nos momentos seguintes do desenrolar da ação. Para esclarecer cito o exemplo de um exercício. O tema era o de um pai que havia abandonado o filho. Anos depois este pai está para ser despejado de casa por não estar com as contas em dia. Então, procura um jovem advogado. Começa a cena sem saber, mas o advogado é o seu filho abandonado. Quando os dois se encontram pela primeira vez, ambos os atores olham para o povo de Paris, juntos. A platéia então pensa “hm... aí tem algo!!! Algo grave está para vir!”. Em um momento o advogado-filho se retira de cena para consultar livros jurídicos e o pai, ainda em cena, vê, em cima da mesa do advogado, uma medalhinha, objeto que provoca o reconhecimento de que o advogado é seu filho. O advogado volta à cena. O pai está quase a ponto de contar, mas não fala nada e se retira de cena. Antes de sair, olha para o povo de Paris, e o povo imaginário clama para que ele conte ao filho que é seu pai, mas o pai acaba por sair de cena sem contar nada. Enfim, estes olhares para o Povo de Paris estabelecem cortes estratégicos nas ações dos atores, para, a partir do não-discursivo, estabelecer uma determinada atmosfera em cena. Além dos olhares existem também tempos a serem dados, pausas nos textos para que o Povo de Paris comente a cena, ou, por exemplo, vaie um personagem que está sendo mau com os demais.

O sorriso do vegetariano que ama cenouras:
A maior parte dos personagens que jogamos eram pobres, pessoas do povo. O personagem pobre no melodrama é conformado com a sua situação, é sofredor e bom por natureza. Não há pobre comunista no melodrama, muitas vezes nos disse Gaulier. Philippe muitas vezes em seu tom debochado pedia-nos para buscarmos em nossas atuações “o olhar e o sorriso do vegetariano que ama cenouras”, um olhar do “pobre mais feliz”, miserável mas alegre, algo que transita entre estas zonas extremas. O que importa no campo da atuação é conseguir uma espécie de pureza e inocência de um personagem que definitivamente não se revolta com a condição medíocre em que vive. Neste sentido, creio que a revolta fica para o público, ao sentir pena do sofrimento do coitado do herói melodramático.


A voz e o gestual
O ideal da voz no melodrama é um registro entre a fala e o canto. Existem algumas gravações com Sarah Bernhardt dando textos, ou mesmo alguns registros de Artaud falando podem dar uma idéia. Gaulier mostrou-nos algumas gravações de áudio de atores do século 19 ou do início do século 20. O que posso dizer é que o registro é ao mesmo tempo visceral e melódico, mas muitíssimo difícil de se chegar e também estranho aos ouvidos contemporâneos, pois tal registro responde certamente à outra época. Em geral não trabalhamos tentando buscar este tipo de registro, Gaulier não insistiu neste ponto, mas sim, trabalhamos no sentido de “atualizar” a potência daquelas vozes estridentes e grandiosas, mas no encontro com nossos próprios registros. Mas a voz é algo extremamente importante no Melodrama. Deve ser grandiosa para abarcar toda a platéia, acordá-la, porque, segundo Gaulier, o Povo de Paris tinha uma forte tendência de dormir e algumas pessoas não escutavam bem. Da mesma forma acompanha o gestual, através do corpo grandiloqüente, expandido. O corpo permite a leitura das emoções dos personagens. Mas isso não deve ser feito “à frio”, isto é, o gesto deve acompanhar um estado pungente do ator, do contrário tudo fica num nível superficial. Logo que começamos o workshop era visível que em nossos pré-conceitos sobre o melodrama, nos perdíamos numa movimentação meramente decorativa. Com o tempo, fomos vendo que o corpo desempenha gestos grandes a partir de uma dilação que, numa via de mão dupla, acontece para o exterior (o espaço) e o interior do corpo (o estado), e que de nada adianta fazer gestos expansivos se o ator não se encontra internamente tão expandido quanto. Esta é uma questão muito importante porque muitas vezes a dificuldade maior residia em tomar o risco de ir até os limites, até a máxima grandiloqüência, sem cair no ridículo. Mas, quando se chegava neste território verdadeiro do melodrama, o que inicialmente podia parecer ridículo dava a volta em si mesmo fazendo-nos emocionar ao ver uma cena onde os atores tomavam tal risco.


Os sapatos barulhentos e a roupa dos pobres.

Segundo Gaulier no Melodrama “Os sapatos devem ser barulhentos, porque o povo de Paris não tem dinheiro para comprar bons óculos e o sapato tem a função de mostrar para as pessoas que não enxergam bem onde o ator está no palco. Os atores não são leves em cena, devem fazer a platéia acompanhá-los pelo barulho do sapato.” A atuação no Melodrama é sempre marcada por este barulho. Pelo barulho do sapato a platéia pode saber que um personagem entrará em cena, pelo barulho do sapato a platéia pode saber que ele sairá, pelo mesmo barulho podemos saber se o personagem está feliz ou triste, e por aí vai. Quanto às roupas, Philippe nos pediu para que vestíssemos roupas de pessoas pobres, mas limpas, um pouco como as indumentárias dos pobres no século 19 em Paris. Gaulier nos pediu uma roupa “chata”, isto é, sem muitas cores, sem cortes requintados ou personalizados, a roupa tem que ser da gente mais comum possível. Creio que isso tem a ver com a estética do Melodrama em sua versão original, quando os personagens tentavam espelhar o povo pobre da França (no caso do melodrama francês obviamente), gerar uma espécie de identificação com a platéia.


Bem, finalizando, posso dizer que jogar o melodrama é jogar num território de extremos, de conflitos cotidianos que levam os personagens comuns a derramarem sua carga emotiva de forma intensa e exagerada. Certamente para o grupo de alunos, que na maior parte já vem trabalhando junto desde Le Jeu (outubro do ano passado), este foi o território dramático mais difícil, que ofertou mais resistência. Muitas são as razões, particularmente creio que estávamos cansados, a carga horária da escola aumentou, e, pela primeira vez, adentramos num território mais fechado e estilístico, lidamos com um tipo de atuação que se distancia muitíssimo da atuação contemporânea (por mais que existam milhares de abordagens à atuação hoje em dia). Paradoxalmente, quando era bom, dizíamos a nós mesmos “isso poderia estar num espetáculo contemporâneo e seria maravilhoso”. Mas valeu muito a experiência, porque, talvez, seja este o território onde mais tenhamos aprendido sobre teatro e sobre nós mesmos, nossos limites, nossos fantasmas e nossas potências.

Beijos e até a próxima!

CHARACTERS


Olá amigos! Mais uma vez estou aqui, agora pra compartilhar a experiência do workshop Characters com Philippe Gaulier. Bom, pra começar, é interessante lembrar que o workshop anterior foi o de Máscaras e que no momento final deste demos especial atenção às máscaras que nós mesmos produzimos, jogando em cena com máscaras feitas pelo próprio ator e com máscaras que colegas fizeram. Philippe não fez nenhuma ponte verbal entre uma coisa e outra, mas, enquanto ator e observador, poderia dizer que há uma transição no sentido de que assim como as máscaras que nós mesmos criamos nos davam uma maior liberdade de criação nas improvisações, pois não tínhamos quaisquer prerrogativas a respeito delas, eram totalmente inéditas e cabia a nós dar a vida a cada uma delas experimentando possibilidades para que de fato “existissem em cena”, Characters só abdicou do artefato máscara (facial) para que, de alguma forma, esta máscara fosse agora o corpo inteiro, isto é, para que partíssemos de uma composição exterior em busca da criação da lógica de x ou y personagem. Explico melhor. No primeiro dia, por exemplo, o exercício que fizemos em Characters foi o de vestirmo-nos com as roupas de algum dos nossos colegas de turma, ou melhor, jogar o comportamento deste colega, jogar com o prazer de ser este outro. Para o segundo dia, Gaulier pediu-nos que fossemos para escola de forma com que nenhum de nossos colegas pudesse nos reconhecer, e aqui está o cerne do workshop em questão, jogamos neste workshop o tempo inteiro com o que Gaulier chama de “O PRAZER DE QUE NINGUÉM PODE ME RECONHECER”. E é neste exato ponto que podemos conectar o trabalho aqui proposto com o trabalho realizado nas máscaras. Em Characters construímos nossos personagens claramente do “exterior para o interior”. A partir de uma forte caracterização externa, Gaulier nos jogava em uma séria de situações improvisacionais a fim de que construíssemos via jogo a lógica, os desejos, os conflitos, os gestos, a voz etcetcetc de cada personagem. Neste sentido, os personagens que trabalhamos, de certa forma, podem também serem vistos como máscaras, se pensarmos a máscara como uma composição externa ao qual o ator deve dar vida.

Durante um mês propusemos uma série de caracterizações. Em cada aula testávamos estas caracterizações em vários exercícios. Depois de algum tempo jogando uma figura, um personagem, Philippe costumava nos dar um retorno, isto é, se aquele personagem deveria ser aprofundado ou se o ator deveria abdicar dele e propor algo totalmente diferente. Todos os atores da turma tiveram pelo menos uma mudança de personagem. Quando Philippe via que o ator conseguia um “algo mais” em alguma das caracterizações, então nos dizia para aprofundarmos determinado personagem, mantendo-o nos dias e exercícios seguintes a fim de criarmos desdobramentos daquela figura. Abaixo listo alguns princípios importantes no trabalho de Characters, tentando explicá-los para, na medida do possível, esclarecer melhor o território em que nos encontrávamos:


O Ator e o Personagem: Embora a caracterização fosse um ponto muito forte neste trabalho, isto é, a total transformação do ator em alguém praticamente irreconhecível, Philippe uma vez nos disse: “você sempre entra em cena como ator, com as características de um bom ator: cumplicidade, olho no olho, uma bonita aura (...) se você tem um jogo com prazer, o personagem segue você”. Este ponto diz respeito ao prazer e aos outros componentes que o ator deve manter como uma espécie de cama aonde o personagem vai se deitar, vai, como diz Gaulier, “seguir o ator”. Se estes elementos primeiros não operam, o personagem pode não existir, ou, ao contrário, pode ser melhor que o ator, isto é, quando você vê que a idéia de personagem é boa mas o ator não possui um jogo que dê suporte ao personagem, e, para Gaulier, teatro é antes de tudo calcado na qualidade do jogo do ator e não em idéias pré-concebidas.

Mostrar o Personagem: Quando o ator entra em cena é interessante que este tenha algum momento de ponto fixo com a finalidade de que o público veja o seu personagem (um pouco como acontecia no trabalho com as máscaras)... O público tem que ver a face do ator. Isso é um ponto bastante importante, pois, algumas vezes, os atores se escondem em cena, entram em cena, mas é como se a platéia não conseguisse vê-lo, porque o ator de fato não dá um tempo para a platéia assimilar a figura que acaba de entrar ou porque o ator atua com a face virada do meio para o fundo do palco, se esconde por insegurança ou algum outro motivo que lhe é pessoal.

Desconhecer o personagem: Como ator, você nunca deve pensar que sabe mais sobre o personagem do que a platéia. Isso é essencial no trabalho em Characters e para o trabalho do personagem em qualquer que seja o território dramático ou estilo. De certo modo, para Gaulier, o personagem só existe quando em relação com a platéia, e o ator necessita estar sempre poroso para as modificações que podem emergir deste encontro. Isso vale tanto para o trabalho do ator em exercícios quanto para um trabalho que já está ensaiado e apresentado. Você, como ator, nunca chega e impõe seu personagem ao público, sempre está descobrindo, tomando do público elementos que podem te ajudar. Complementa esta idéia uma outra colocação de Gaulier que diz respeito ao caráter de investigação contínua do personagem, isto é, mesmo que você tenha achado uma figura interessante, você sempre tem que buscar novos caminhos pro seu personagem, se você quer dar vida a ele. Existe um cuidado que o ator deve ter para não estar prisioneiro do personagem, não estar com uma pretensa profundidade, ou também, como muitas vezes falamos, não cristalizar em uma forma.

Cuidado com as IDÉIAS... Não é interessante mudar o personagem em função de uma idéia, mas sim em função do jogo.

Ponto Fixo e Cálculo: Como na máscara, você precisa ter pontos fixos em seu personagem, não se mover sem sentido. No nível individual, o ponto fixo diz respeito ao calculo perfeito das ações. “Você não deve se mover por nada”, diz Gaulier. As vezes, por ânsia, por não saber o que fazer, o ator se perde numa histeria corporal em cena: caminha para um lado e outro, gesticula demais, move seu olho perdidamente no espaço etc... Muito acontece para o ator, mas nada de fato acontece para a platéia, pois o ator permanece como se fosse uma espécie de borro em cena, uma imagem desfocada. Para trabalhar com esta dificuldade, Gaulier muitas vezes evocava a idéia do Ponto Fixo. Algo que é mais do que dar um stop nos movimentos, mas sim, ter uma capacidade de cálculo das ações, uma espécie de distanciamento, como que um terceiro olho que pode intuir a imagem que como ator você passa para a platéia. O ponto fixo tem a ver com o controle do ator sobre o seu próprio “estar em cena” e é uma idéia que perpassa o seu trabalho de personagem em nível individual, mas também na relação que você estabelece com o seu colega de cena em uma improvisação. Se o outro se move, é melhor que você não se mova tanto. Se você move, o outro faz um contraponto, fica mais parado. Isso não é uma regra estática e tão simplória como pode parecer, mas diz respeito a um sofisticado “sentido da cena” e também um “sentido de si na cena”, o que, se bem trabalhado, gera uma limpeza e um espaço necessário para que a platéia acompanhe um e outro ator. Por isso Gaulier constantemente nos falava que tínhamos que CALCULAR enquanto atores. Não pensar em sermos sinceros, profundos, verdadeiros, emocionados, mas sim calcular, ter o personagem como uma espécie de marionete com a qual nos divertimos e temos prazer em brincar, em manipular.



O Jogo, não o blábláblá:
Outro ponto fundamental. Por vezes um ator tem a tendência de preencher todos os tempos de sua atuação com palavras, querer ganhar a platéia por um jogo verborrágico ou tentar que algo aconteça num plano superficial de texto, num blábláblá. Com o tempo, isso passou a ser cada vez mais claro aos nossos olhos, ou, melhor dizendo, aos nossos ouvidos. Não se trata de não falar em cena, mas sim de saber que toda e qualquer cena tem que ser sustentada por uma qualidade de jogo que, ao que parece, escapa ao plano verbal. Difícil de explicar, mas fácil de perceber quando se assiste uma cena, e aos poucos, quando se faz uma cena também.


Cumplicidade entre atores:
“Como eu posso atuar com este ator?”, Gaulier nos instigava a questionarmo-nos. Muitos exercícios de Characters se davam com um ou mais atores em uma mesma cena, enfim, contracenando. A pergunta acima deve estar sempre em mente, ou seja, não devemos nos perguntar “como eu posso jogar com este personagem?” a relação em cena nunca é entre os personagens, mas sim entre os atores. Talvez a relação entre os personagens aconteça na imaginação da platéia, é uma relação no nível da recepção. Enfim, para Gaulier, por mais que você tenha uma figura muito bem construída, é o ator e não a figura que busca se relacionar com o outro ator e não com a figura deste último.

Vender o Personagem:
“Você tem que vender o seu personagem” (Gaulier). Vender o personagem pode parecer estranho, mas Gaulier nos disse isso algumas vezes. Mas cuidado, muitas vezes nos referimos a um ator que começa a fazer gracinhas para agradar a platéia como se este estivesse se vendendo para a mesma em troca de risos. Mas, neste caso, o ator está “vendendo” a si próprio, e não o seu personagem. “Vender o personagem” poderia ser visto como uma busca incessante do ator em por uma qualidade de contato com a platéia que seja mediada pela figura que está trabalhando, sem debochar da mesma, mas sim dando tridimensionalidade a ela, dando cores, aromas, sofisticando-a etc. Isso significa também tomar uma decisão de ser interessante em cena, mesmo que isso acabe sendo um grande fracasso, mas enfim, tomar risco sempre, outra coisa que Gaulier muuuuuuuito nos falou, não ter medo de ser ruim. Gaulier falava também que “não é porque um personagem é chato que o ator tem que ser chato”, isso também se relaciona com esta idéia de “venda”, na medida em que o personagem pode ser chato mas a platéia pode se divertir ou emocionar-se com ele, por conta do trabalho do ator.



Quanto aos exercícios, posso dizer que eles trabalhavam estes diferentes níveis no ator e, como conseqüência, no personagem também. Trabalhamos com dois tipos de improvisação, uma mais direcionada ao trabalho individual com o personagem, onde o ator não tinha um parceiro para estabelecer uma relação direta em cena, e onde também, muitas vezes, Gaulier representava uma espécie de entrevistador-inquiridor, colocando questões que traziam conflitos ao personagem e a partir das quais novas lógicas emergiam. O outro tipo de improvisação se dava com colegas em cena, quando buscávamos construir o personagem a partir do contato com o colega, com as situações que o outro nos propunha etc. Enfim, Characters foi um terriório de muita liberdade e prazer, uma grande brincadeira de teatro com todo o rigor exigido por Gaulier. Todavia, muitos atores encontraram dificuldades, e, uma atriz, depois de testar várias figuras sem obter muito sucesso em seu trabalho um dia perguntou ao mestre “O que deve mudar? O figurino?,A maquiagem? A voz?...” Ao que Philippe sem titubear respondeu: “ a atriz”. Isso é fundamental e na verdade quer dizer muita coisa sobre a pedagogia de Gaulier. No processo de formação da escola, uma coisa cada vez fica mais nítida – estamos ali trabalhando a nós mesmos, mudando verdadeiramente. Soa óbvio, mas isso quer dizer que, antes de aprender sobre um estilo ou gênero, a primeira e mais importante camada é aprender sobre nós e sobre como podemos ser “belos” no caminho de um estilo X ou Y. Daí uma sensação de estarmos sempre e “no fundo” trabalhando a mesma coisa embora os workshops se diferenciem.

Bem, acabo aqui hoje.
Beijos e até a próxima!!!

sábado, 5 de março de 2011

MASK PLAYS




Olá amigos! Mais algum tempo se passou e aqui estou novamente para compartilhar a experiência do último workshop que finalizamos com Philippe Gaulier no dia 04/02/2011, o Mask Plays. Mas comecemos um pouco de antes. Como podem ver, o último tópico aqui retratado versou sobre o trabalho de Gaulier com a Máscara Neutra e a Tragédia. Não é à toa que a Máscara neutra está disposta no workshop anterior, porque, poderíamos pensar, ela é a base para as outras máscaras que trabalhamos no Mask Plays, e, na verdade, para todos os workshops seguintes. Le Jeu, a “base da base”, nos pedia diversão, prazer, noções de organização de cena, etc; tudo isso numa série de trabalhos que, digamos assim, lidavam com a construção de um ambiente “pré-teatral”. A Máscara Neutra agregou um componente a mais, a necessidade de manter aqueles princípios trabalhados em Le Jeu, porém com a busca de um grau de formalização no espaço-tempo maior, mas, importante lembrar, NUNCA a formalização por si, NUNCA a formalização como ponto de partida, mas sim, como um ponto onde se chega no desenrolar de cada exercício. A Tragédia nos possibilitou explorarmos uma primeira entrada no contexto teatral propriamente dito, na abordagem aos personagens, na construção de cenas, na apresentação das mesmas e etc... Depois deste período tivemos férias de 23 dias e no dia 10 de janeiro recomeçamos o trabalho com o Mask Plays.
E do que se trata o Mask Plays? Resumidamente este é um curso que nos permite uma incursão nos universos de diferentes estilos de máscaras: Máscaras Larvárias, Commedia Dell’Arte e em Máscaras que nós mesmos fizemos.




MASCARAS LARVÁRIAS

As Máscaras Larvárias são originárias do Carnaval de Basel, cidade do interior da Suíça. São máscaras grandes, com ângulos fortes (por vezes retos, por outras curvilíneos), silenciosas (máscaras de rosto inteiro, o ator não fala sob elas), sob as quais é quase impossível enxergar algo, porque as Larvárias possuem na maioria dois pequenos furos à altura dos olhos dos atores (as vezes estes furos são mais para baixo ou para cima, dependendo da máscara). No primeiro dia deste trabalho, durante o intervalo, Gaulier contou-nos (a história é mais ou menos essa) que um dia, ainda jovem, havia chegado à Basel para passar o carnaval... Era um final de tarde, o sol estava se pondo, e, de repente, quando se fez noite, um grupo de mascarados dobrou uma esquina, com roupas extravagantes e portando máscaras larvárias... Gaulier conta isso com um encanto no olhar, disse que foi surpreendente e lindo aquele momento em que pela primeira vez se deparou com as Larvárias. É provável que este fato tenha se dado antes de Gaulier ser aluno da escola de Jacques Lecoq, figura que trouxe as Larvárias para o contexto teatral e para o trabalho do ator.
Bem, no primeiro dia Philippe apenas pediu-nos para que escolhêssemos uma máscara e um para que cada um dos atores entrassem em cena, sem nenhuma proposta definida à princípio, mas apenas para aproximarmo-nos delas, e descobrir alguns de seus princípios na medida em que íamos atuando com elas e observando os colegas atuarem com as mesmas. Como em todos os momentos anteriores, os exercícios das máscaras também são sempre realizados em relação à platéia. Ao longo da incursão nas Larvárias, trabalhamos com alguns jogos, como o da Grandmother, uma espécie de “meia-meia-lua 1-2-3” (pra quem conhece...hehe), onde um ator se dispõe à frente e de costas aos demais atores mascarados, estes, por sua vez, objetivam tocar nas costas do ator da frente que vira em determinados momentos, quando então os demais atores devem estar imóveis. Este é um bom trabalho sobre a idéia de ponto fixo, todo o tempo reivindicada por Gaulier. Trabalhamos também com algumas propostas de improvisação mais abertas, como, por exemplo, uma dança das cadeiras onde o ator que ficasse sem sentar deveria realizar alguma coisa com a máscara, e, se aquilo fosse de alguma forma interessante (se o ator descobre e/ou entende algo sobre a máscara que porta), ele podia “salvar sua vida”, permanecendo no jogo. E também com algumas propostas improvisação mais fechadas, como, por exemplo, “As máscaras vão à ópera”, esta a partir de um roteiro não tão aberto que Gaulier forneceu para seguirmos, consiste numa confusão entre duas figuras, pois, uma delas, se senta num lugar de um teatro-ópera do qual a outra tem o ingresso. Aqui Gaulier trabalhava os princípios técnicos mais claramente com todos os atores: pontos fixos, tempos de cena, espaço necessário entre as máscaras, a posição do nariz da máscara (sempre pedindo que colocássemos um pouco acima da linha do horizonte), a curva dramática da cena etc. É possível reconhecer alguns princípios que guiaram o trabalho dos atores com as Larvárias, princípios colocados por Gaulier em aula ao longo das práticas realizadas:

- O ator deve mostrar a máscara: este é o mais basal dos princípios para se trabalhar com as larvárias e também com as demais máscaras. Mostrar a máscara, na verdade, abrange tanto elementos estritamente técnicos, como aqueles vinculados à frontalidade da atuação e ao ponto fixo no corpo e na máscara, quanto não querer ser melhor do que a máscara, não chegar com uma idéia a ser executada com a máscara, mas deixar que a máscara guie as idéias.

- O Ponto Fixo: se o corpo move, a máscara é fixa. Se a máscara move, o corpo é fixo. Este era um dos princípios mais retomados por Gaulier. Se tudo se move no ator, a máscara não aparece. Por mais abstrata que a máscara possa ser, o jogo do ator tem que ser claro, e, muito disso tem a ver com os pontos fixos que o ator confere à máscara e ao seu corpo.


- O espaço entre as máscaras: por terem uma força expressiva grandiosa, as larvárias necessitam um espaço entre elas mesmas e entre elas e a platéia. Este espaço é como a margem necessária que permite ao espectador visualizar um certo contorno de uma máscara larvária em cena, um espaço de “respiro” entre duas ou mais máscaras, o que permite um contraste visual e o jogo dos atores entre si e com o espaço. Se muito próximas, uma máscara larvária tende a “eliminar” a outra, diminuir sua força expressiva. Claro que isso não deve ser lido como uma regra absolutamente estática, pois, se um jogo interessante leva as máscaras a se aproximarem uma da outra em determinado momento, não há porque refrear este impulso. Mas este espaço é característico das Larvárias, na Commédia dell’Arte, por exemplo, não há a mesma necessidade de distância entre as máscaras.

- Algumas máscaras podem oferecer caminhos e maneiras de jogar com elas, mas muito deve ser descoberto na relação com a platéia.

- Não ser “natural” com as máscaras: O que não quer dizer que uma cena não pode ser feita dentro de um contexto mais “realista”. Philippe constantemente nos falava desta espécie de “consciência da máscara”, algo que tem a ver com uma idéia de ator-manipulador (que, aliás, perpassou a Tragédia e o workshop de Characters), isto é, não se coloca uma máscara para se agir com um “corpo cotidiano”, ao colocá-la, é como se houvesse uma espécie de descolamento entre uma parte do ator que executa e uma parte do ator que calcula o que está executando. Mas CUIDADO!!! Não estou aqui falando de uma bipartição cartesiana do tipo corpo-mente, o tal cálculo ao qual me reporto é fruto de um estado não puramente racional, deve vir de um entrelaçar entre intelecto e sensível, um amálgama microperceptivo, como se a intuição fosse um carro que trafega numa estrada construída com cálculos precisos pelo ator.

- Seguir a Máscara: Não conseguir enxergar bem sob a máscara larvária nos deixa um pouco perdidos, sem orientação, o que, todavia, por vezes é um ponto muito interessante no que diz respeito à criação. O fato de não conseguir ver, inicialmente levava todos os atores a jogar com esta situação de forma cômica, quando a platéia ria dos momentos em que o ator não fazia a mínima idéia de onde estava, e, por isso, por vezes se batia em algum objeto disposto em cena ou coisa parecida. Mas este é o primeiro mote de jogo. Passadas as primeiras incursões, os jogos com as larvárias ficaram nitidamente mais interessantes, quando o fato de estar perdido em cena deixou de ter graça, uma outra espécie de jogo mais sutil muitas vezes podia ser visto. É como se na impossibilidade de ver, no corte da visão, um estado que na falta de outra palavra melhor arrisco a chamar de intuitivo (sabendo de todo o risco que a palavra “intuição” traz a esta reflexão) apoderava-se dos atores com maior propriedade, e, quando isso acontecia, é que conseguíamos perceber aquilo que Philippe muitas vezes chama de “seguir a máscara”, isto é, quando você faz coisas com uma consciência parcialmente obscurecida, não sabe muito bem o que faz e como isso está se relacionando com a platéia ou com um colega que está em cena com você, mas, quando “intuitivo”, coisas realmente interessantes e inesperadas vêm à tona, seu corpo descobre a máscara, contorna ela, uma figura surge da fricção entre ator e máscara. Ao mesmo tempo isso não tem a ver com um transe onde o racional é totalmente colocado de lado, pois, a todo tempo, o ator intui dentro de um campo construído por princípios técnicos: a frontalidade, o nariz da máscara como guia, o bom uso do espaço etc.


Bem, creio que com as informações acima é possível se ter uma noção do trabalho com as máscaras larvárias.Para quem gostaria de saber mais sobre este trabalho, vale a pena procurar escritos de e/ou sobre Jacques Lecoq, homem que introduziu-as no universo teatral.


COMMEDIA DELL’ ARTE:

O território seguinte no qual adentramos foi a Commedia dell’arte. Resumidamente, a Commédia dell’arte é um gênero de teatro improvisado que tem raízes na idade média, na região da Itália. No gênero estão presentes diferentes personagens-tipo, ou, como nós atores costumamos dizer, diferentes máscaras: Arlequim, Dottore, Pantaleão, Brighela, etc. Pra quem não tem a referência, vale a pena jogar “Commédia dell Arte” no Google, milhares de referências aparecerão e com certeza você vai lembrar de alguma vez já ter ouvido falar na CDA ou em algum de seus personagens.
E a Commedia dell Arte com Philippe? No primeiro dia de trabalho com a CDA, Philippe contextualizou brevemente do que a Commedia Dell Arte se tratava, e, sem se prolongar em explicações, já nos propôs improvisações com as máscaras. Todo o trabalho com a CDA consiste na proposição de uma situação onde um ator, portando a máscara focada naquele momento, entra em cena a fim de estabelecer um jogo relacionado à lógica de seu personagem, e, assim, tentar descobrir a sua forma de jogar aquele personagem, de ser “bonito” portando uma determinada máscara. Assim, por exemplo, no primeiro dia trabalhamos a figura do Capitão na seguinte situação improvisacional:
8 mulheres (ou 8 homens) vão para as coxias. Uma por vez entra em cena para lavar suas roupas nas margens de um rio. Estas mulheres devem ser charmosas e entrar alegremente, como se viessem de uma noite ótima de sexo com os seus respectivos maridos. Depois que estas 8 atrizes já estabeleceram o início da improvisação, num jogo entre elas próprias onde comentam sobre homens, sobre sua vida amorosa com eles etc, entra então Capitão em cena e tenta estabelecer um jogo cujo o principal objetivo é transar com todas as mulheres que estão ali a lavar suas roupas. Para isso, Capitão pode entrar e falar sobre suas proezas, suas batalhas vencidas, sua coragem etc, mas, no plano ficcional deste jogo, o que deve estar claro, é, antes de tudo, sua intenção em devorar todas aquelas mulheres, e, no “plano técnico”, digamos assim, o principal que o ator tem a fazer é MOSTRAR A MÁSCARA, isto é, trabalhar para a máscara, colocá-la em diversas situações. Numa situação como esta, Philippe então vai trabalhando no sentido de construir com o ator a lógica do personagem, e, concomitantemente, os aspectos técnicos que fazem com que a máscara esteja em primeiro plano em cada improvisação, vejamos alguns destes aspectos:
- o nariz para cima, sempre. Não só para cima, mas o nariz como a guia da máscara, o foco dela.
- a movimentação adequada da máscara: quando o ator move a máscara é sempre para mostrá-la em alguma situação, nunca move ela sem sentido
- o ponto fixo no corpo quando a máscara move e na máscara quando é o corpo que está se movendo. É bom sinalizar que este não é um aspecto estático, não quer dizer que nunca o corpo e a máscara possam se mover ao mesmo tempo, mas se trata de se ter sempre stops nas máscaras para que o público as reconheça, para que elas comecem a existir na imaginação do público como seres possíveis. Se o ator nunca pára, a máscara não passa de um borro em cena, os pontos fixos servem para clareá-la, dar-lhe um melhor delineamento, além de darem tempo necessário ao espectador, convocando sua imaginação.
- a necessidade de descobrir a máscara: em primeiro plano você tem que descobrir a máscara na relação que esta tem com a platéia e com o contexto improvisacional em que ela está jogando e não fazer o que Philippe chama de “personagenzinho”. Em muitas propostas, alguns atores entravam com uma idéia muito demarcada de como atuar como Pantaleão, por exemplo, tendo uma maneira de se mover X, uma voz Y, de forma com que a máscara era apenas um acessório decorativo na face de uma figura que já entrava em cena bastante fechada em si mesma. E aí está uma questão bastante importante no trabalho com as máscaras em geral, que Nicole Kehrberger (professora de movimento que substituía Gaulier nas quintas-feiras) nos disse: “quando o ator quer ser mais interessante do que a máscara, a máscara morre. Para a máscara viver, você tem que trabalhar para ela”.

- Philippe também nos falava do cuidado que temos que ter com as “Idéias”, ou seja, de quando temos uma idéia e entramos em cena para executá-la com a máscara, o que geralmente acarretava em, enquanto público, vermos a idéia que o ator teve mas não a máscara que portava. Philippe dizia: “a boa idéia é aquela que desaparece em cena”, ou seja, não queremos dizer de um ator “hm, olha que boa idéia que ele teve”, mas sim “olha, que magnífico que é este ator em cena” ou “que personagem maravilhoso é este”... Para chegar a este segundo e mais interessante território, a frase que mais ouvimos de Philippe foi “vocês devem mostrar a máscara”...


Philippe nunca fecha questões sobre cada personagem da CDA. Dá apenas alguns indícios e imagens como estímulo para o ator criar em cima, assim o Capitão pode ser criado tendo como imagem primeira os soldados da guarda inglesa, um galanteador que quer transar com o maior número de mulheres possível; o Dottore é um “Wanker” (punheteiro), alguém como estes pseudo-intelectuais de plantão prontos a te dar uma palestra de auto-ajuda e falar sobre a vida através dos clichês mais absurdos (podemos pensar em alguns apresentadores de programas de família que passam nas tardes da TV aberta brasileira, em pastores de determinadas religiões, ou em Tom Cruise no filme Magnólia), o Arlequim pode ser um peão de fazenda, grosseiro e ao mesmo tempo querido, e por aí vai... Todas as máscaras são também trabalhadas pelas atrizes numa versão feminina, assim temos madames Capitano, madames Arlequim, madames Pantaleão etc. O trabalho com Commédia Dell Arte de Philippe é bastante livre em termos de imaginário acerca deste universo, nunca ouvimos de Philippe que teríamos que fazer o Arlequim assim ou assado, o Pantaleão desta ou daquela maneira... Mas Philippe seguiu mantendo seu rigor principalmente no que diz respeito ao prazer que temos que ter em jogar neste território, o que para ele é definitivamente mais importante do que despejar sobre nós séculos de tradição da CDA ao qual teríamos que dar conta atuando sobre as máscaras. Aliás, Philippe, depois de ter trabalhado com um ator sobre o Arlequim, transformando uma forma mais tradicional que este ator assumia em algo novo (quando deu a imagem de um trabalhador de uma fazenda), comentou “eu não gosto de nada clássico”. E isso pode ser visto desde o trabalho com tragédia e com as figuras que ele deu para cada ator trabalhar no território trágico. Depois ouvimos de Nicole que na escola não estamos aprendendo o “estilo trágico” ou o “estilo de Commedia dell Arte”,ou o “estilo melodramático” etc, mas sim, estamos ali para aprender como nós podemos ser “bonitos” (belos, presentes, interessantes etc) fazendo tragédia, como nós podemos ser bonitos fazendo Commédia dell arte, fazendo melodrama e por aí vai. Ao conversar com colegas de escola, posso dizer que compartilhamos de uma sensação - a de que estamos aprendendo a mesma coisa a cada workshop que passa, algo muito especial e extremamente pessoal, antes de aprendermos sobre um estilo X ou Y, aprendemos sobre nós mesmos, um exercício de tentar ser luminoso em cena todos os dias, um exercício de doação, de contágio.




NOSSAS MÁSCARAS:

Um terceiro momento do Mask Plays foi dedicado ao trabalho com máscaras que nós mesmos fizemos. Penso que a idéia de Philippe foi nos introduzir ao trabalho de máscaras com as Larvárias e com a Commédia Dell Arte, para neste terceiro momento nos dar a liberdade de confeccionar a máscara que quiséssemos. Segundo Philippe, por vezes um ator pode encontrar mais liberdade e prazer em atuar com uma máscara que ele mesmo criou do que com uma criada por outra pessoa. Philippe pediu-nos para fazermos meias-máscaras, para que pudéssemos falar sob nossas máscaras. Não tivemos nenhuma aula ou dica técnica de como confeccionar as máscaras, tivemos que inventar nossas próprias técnicas. Confesso que quando soube que teríamos que fazer isso fiquei com bastante receio de fazer uma máscara meramente decorativa, pois já sabia de antemão que não é tão fácil fazer uma máscara que funcione em cena. Aprendemos nas Larvárias e na Commédia Dell Arte que a boa máscara é aquela que muda de expressão conforme as mudanças do corpo do ator. Creio que isso guiou as confecções de todos os atores em suas máscaras, e os resultados foram muito melhores do que o que antes eu imaginava. Todos os aspectos acima expostos: pontos fixos, nariz como guia da máscara, relação com a platéia, descobrir a máscara em cena etc, foram aqui retomados. Trabalhamos tanto com as máscaras que nós mesmos fizemos como com as que os nossos colegas fizeram. Alguns atores se encontraram mais em suas próprias máscaras e outros nas máscaras dos colegas. No meu caso posso dizer que me encontrei melhor com a minha própria máscara. Embora não esteja querendo restringir o foco sobre mim nos textos sobre os workshops, coloco aqui uma impressão que registrei em meu caderno de notas logo após a 2ª ou 3ª vez que fiz um exercício com minha máscara e quando penso que de fato encontrei uma via para segui-la:

“hoje fiz um exercício com a minha máscara e entrei quase sem idéia do que faria em cena. Pensei que Philippe faria como ontem, quando pediu para quem confeccionou mostrar sua máscara e perguntou aos outros atores quem gostaria de fazer o exercício com cada. Mas hoje Philippe nos surpreendeu, pediu para que nós mesmos fizéssemos o exercício com as máscaras que confeccionamos. Tentei então sem intenções pré-concebidas mostrar a máscara e deixar que aos poucos o jogo com Philippe e com Nicole rolasse. Em princípio eu não queria fazer este exercício com a minha máscara, mas acho que esta falta de intenção em fazer algo abriu minha escuta pras possibilidades totais que o momento da cena me oferecia. E foi ótimo! Parece que sensivelmente entendi por onde a minha máscara pode jogar e que figura ela me sugere.”
(Rodrigo, 25/01/2011)

Esta figura pode ser conferida no vídeo que coloco abaixo, quando fiz uma outra improvisação, um ou dois dias depois do dia descrito acima. Nesta improvisação já havia então agregado uma roupa (bem básica) e uma peruca, elementos que achei serem complementares à figura em questão.
Pra finalizar, na última semana fizemos uma série de exercícios onde podíamos atuar com quaisquer máscaras que quiséssemos: Larvárias, Commédia Dell arte ou nossas máscaras, e também cada ator preparou (sozinhos, em duplas e/ou trios) uma apresentação com máscaras, apresentações comentadas e trabalhadas em tempo real por Gaulier.
Antes de fechar este texto, devo dizer que o MISTER FLOP esteve muito presente no trabalho com as máscaras. No texto sobre Le Jeu falei um pouco do que é o FLOP e não vou retomá-lo em seus detalhes aqui. O importante é dizer que em muitas vezes este “estado de fracasso” assumido pelo ator em cena, quando tenta fazer coisas que definitivamente “não funcionam”, apareceu bastante no workshop de máscaras e Gaulier fez verdadeiros milagres com atores quando estes estavam “flopando abertos”, sem negar o fracasso, isto é, muitas vezes coisas realmente interessantes surgiam exatamente deste território.

Bueno, já me alonguei em demasia aqui. As vezes tenho o problema de começar a escrever e não conseguir mais parar, devo ser mais sintético, mãããs... Enfim, são tantos os elementos... E a vontade de compartilhar também é grande! Em breve postarei o texto sobre Characters, workshop que finalizamos na última sexta. Um beijo para todos!!! Saudades do Brasil,
Rodrigo.


VÍDEO DE IMPROVISAÇÃO COM UMA ATRIZ AMERICANA E COMIGO NA ECOLE PHILIPPE GAULIER: